quinta-feira, 23 de agosto de 2012

soda


alguém me contou que não se coloca soda nos ralos. endurece a gordura e entope tudo.
eu quase morri. fiquei órfã da minha catarse doméstica preferida.
tanta poeira velha nas alturas dos meus armários e eu ali, me dedicando sempre aos ralos.
acreditando que podia derreter a sujeira.
pensei na vida como alguém na cadeira de rodas olha para um par de tênis.
a vida, a muleta da morte?

desfloriram os canteiros como fotos dos políticos.
a foto de cada um deles murcha o meu dia.
eu lembro do dia em que acreditei em um partido e não esqueço o dia em coloquei a minha bandeira no lixo.
eu escuto chico e me acho mal agradecida por pensar em anular todos os meus votos.
quando penso em votar em alguém, me sinto como aquela mulher que apanha do marido e acredita que ele vai mudar.
a minha vergonha na cara me pesa mais do que minha armadura.

eu vou ao mercado e não acho os preços dos produtos.
não acho o leitor dos códigos de barras.
eu tenho saudades daquele tempo em que os produtos tinham os preços colados em cima.
naquele tempo eu sabia por quanto eu me vendia.

de vez em quando, acho um pote com comida esquecida dentro da geladeira. jogo até o pote fora.
gelo lembrando das coisas que faço de conta que esqueci e que me apodrecem.
eu não posso jogar tudo fora e não posso colocar soda nos ralos.
eu não sei quanto custa o que escolho pagar.
a minha liberdade política me aprisiona.
as minhas vírgulas às vezes são os olhos da minha cara.

e agora, até os ralos vão ficar sujos. e se eu não resistir, entupidos.