quinta-feira, 29 de novembro de 2007

só pra ele

eu tinha tão pouca idade quando éramos vizinhos que eu acreditava que júnior fosse o nome dele.
a gente parava o trânsito da nossa rua para jogar futebol, vôlei e taco-bola.
nós tínhamos uma festa de são joão própria com casamento caipira onde todo mundo teve a oportunidade de desencalhar.
a casa dele tinha a maior piscina de plástico da nossa rua.
a família dele adotou a dalila que nasceu na minha casa, cadela como só ela sabia ser teimava em ir junto ao mercado e roubar alguma coisa muito boa e nos esperar na porta.
graçasazeus ele virou publicitário, desde aquela época ele tinha umas idéias não convencionais:
teve um dia que ele fez um concurso da mão mais forte. ele fez gelos enormes em uns quantos potes de margarina tamanho família. o concurso era pra ver qual era o idiota que conseguia segurar aquele gelo gigante por mais tempo. (detalhe: ele não participava das insanidades que inventava)
eu era tão idiota que além de vencer o concurso quis segurar o gelo até o finzinho pra mostrar como a minha mão era forte de verdade. quase perdi a mão. doeu muito. doeu mais ainda porque nem pude contar para a minha mãe e chorar, só as chineladas dela era mais fortes que a minha mão.
agora, fortes são estas lembranças boas que me fazem acreditar um tantinho no futuro.

um texto que me desfez

este texto é do ismael caneppele que escreve aqui.

minha mãe tem muitas amigas que perderam filhos. aqui no interior do rio grande do sul muitos garotos morrem quando são adolescentes. a vida é meio muito mais perigosa por aqui. caminhões correm e as bicicletas sempre precisam aprender a voar. vômitos sufocam e muitos nunca acordam. melancias e atravessar o rio ao anoitecer e muitos submergem. sem contar os que caem de pontes. prédios. torres. a vida adolescente no interior do rio grande do sul é a death. por trás dos pastos afiados o orvalho brilha de um jeito que pode ser complicado entender.minha mãe veio dizer que ela tem vontade de explicar para as amigas que perderam seus filhos que todos os filhos morreram. que todas as mães são sozinhas quando os anos acabam. que aquele filho que elas têm na memória já morreu há muito tempo. que cada ano que passa é uma morte e as crianças nunca mais voltarão para casa. que ela também perdeu os seus filhos sem que eles tenham sequer morrido.terminei de escovar os dentes. depois desse dia nunca mais acordei vivo por inteiro. nunca mais olhei para os olhos da minha mãe por inteiro. ela entende o segredo que quase ninguém conhece. somos feitos da mesma matéria. solidão e perda. mesmo quando é sem querer. mesmo quando é só de verdade.às vezes a realidade fica sem graça.

trocadilho infame

tô lendo um texto complicado sobre a relação entre o corpo e a alma.

cítrica do jeito que eu ando, não posso deixar de pensar na proximidade entre a palavra "corpo" e "porco"... e da palavra "alma" e "lama".
sem falar que o porco vive na lama (merda).

"a mudança levou tempo por ser tão veloz"

a cada notícia, a cada cena, a cada omissão e a cada ato que vão me atropelando eu sigo mais viva e com menos fé na humanidade.
como se eu tivesse 7 vidas feito a gata manhosa que eu nunca soube ser.
a cada estilhaço que me faz mais inteira eu fecho mais a tampa da minha panela.
não que eu não goste ou me interesse pelo que há fora ou dentro, além ou aquém.
mas, às vezes eu não tenho mais forças para escolher entre matar ou morrer.
"só" isto.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

ganhos & danos

...e cada ausência inaugura uma multidão!

terça-feira, 27 de novembro de 2007

tesoura do desejo

cortar os pulsos é antigo.
cortas as calorias é sofrido.
cortar os pneus custa caro, dói e nem dura para sempre...

mas, cortar os cabelos é o que há:
em minutos a gente vira outra.
e nem dói.
nem é a custo de fome.
nem de suor.
muito menos de lágrimas.
e não tem contra-indicação.

(eu marquei hora hoje)

como na música:
o que é que houve meu amor?
você cortou os seus cabelos?
foi a tesoura do desejo.
desejo mesmo de mudar.

clarice lispector: aquela que sabe traduzir pensamento e sentimento em palavra

depois que descobri em mim mesma como é que se pensa, nunca mais pude acreditar no pensamento dos outros.

domingo, 25 de novembro de 2007

causa e efeito

cada vez que tu me olhas assim eu fico com vontade de te enxergar com as mãos.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

o pior do natal é o presente

eu ganho cada coisa de presente.
cada coisa que eu jamais compraria.
cada coisa que eu jamais quis.
cada coisa que eu jamais vou usar.

me dá uma vergonha maior do que o saco do papai noel quando eu vejo em cada presente como as pessoas me enxergam.

cheiro

eu gosto de cheiro de comida forte, de chuva, de cabelo recém lavado, de giz de cera, de gasolina, de hortelã, de café, de cítricos, de cachaça de alambique, de chocolate, de perfume de homem, de madeira, de rio, ...

eu queria ser cheiro de praia.

eu queria ser menos cítrica e mais doce.

é o cheiro quem sempre me escolhe.

eu sei me apaixonar porque eu sou tragada.

o filme é lindo e a resenha tbm

a resenha é do cris, que escreve aqui.

Através das oliveiras
Abbas Kiarostami

Muito mais que um click. A câmera começa a filmar e já traz uma grande profundidade nos olhares. Talvez não seja um filme fácil para nós ocidentais. Mas é justamente o que o diferencia que lhe dá valor.
É um outro ritmo. Outra velocidade. Não a nossa vertigem de correr e atropelar. As coisas andam. Mas não como estamos acostumados.
E a temática é tão simples. Nada de histórias mirabolantes onde Deus desce do céu para falar diretamente com alguém, ou alguém que passa a controlar a vida através de alguns botões, viagens no tempo ou bombas atômicas. É uma história sobre vidas simples, sobre amor e temores, a morte, o dia-a-dia e, talvez, sobre Deus falando com nós, mas sem dar as caras, através de sutilezas. É uma história sobre lindas paisagens, discriminação e igualdade.
E também uma história sobre cinema.

É também, um jogo de paciência para aqueles que curtem filmes de ação. Um desafio: assista e não durma, porque nenhum prédio vai cair. Nenhum carro vai ser destruído. A destruição foi antes. O terremoto já passou. Isso, é o que vem depois. É o que acontece quando hollywood pára de filmar. Quando os heróis vão embora, ou no caso, nem chegaram.


(aqui eu conto o fim)
O fim... bom... aí é que reside toda uma outra diferença. Não é fácil. Ou, pelo contrário, é muito mais fácil. Talvez não tão aceitável.
Diferentemente de muitos filmes hollywoodianos em que depois de 5 minutos já se sabe o final (talvez não se saiba como chegará lá, mas já sabe-se o que vai acontecer), o final fica em aberto até depois do fim. Não é uma forma muito familiar ao cinema americano que é a nossa referência básica. O filme acaba, e não temos exata certeza de como acaba. Talvez porque esteja muito mais relacionado com a vida de verdade, essa que vivemos, e que não acaba depois de uma hora e meia ou duas de projeção. Talvez porque o fim é você quem faz. Talvez porque, nesse caso fosse doído descobrir que ela não gosta mesmo dele e que depois de tanta insistência a repsosta continuaria sendo o silêncio. Sim, porque se ela dissesse não, ao menos ele teria uma resposta. Ou talvez... acrescente aqui o que você quiser. Vale o que a sua imaginação mandar. E aqui reside uma dificuldade. Esse final aberto causa uma inquietação. Estamos tão acostumados a ter um fim. Um final geralmente feliz (mas ultimamente esta não é mais a regra, ainda bem). E esta falta nos causa um grande incômodo porque transfere-nos a responsabilidade de dar um destino àquele amor.
Bom, digo que o final fica em aberto, mas para mim ele é claro. Não e pronto. Ela teve todo filme para dizer sim, e não disse. E mostrou-se irredutível em sua decisão, não seria uma última caminhada que mudaria isso. Ou seria? Talvez longe das câmeras ela aceitasse casar com ele. É, pensando bem, é uma possibilidade.

mesmo que eu não jogue na loteria

eu sempre fazia a lista das coisas que eu iria comprar se ganhasse.
hj eu fiz a lista das pessoas que eu mandaria tomar no cu se eu ganhasse.
(amanhã eu vou jogar.)

eu escrevo

Eu escrevo porque eu não gosto de dirigir, mas preciso chegar. Porque não sei usar um vestido decotado, mas acho lindo. Escrevo porque o espelho me assusta. Escrevo porque eu não me gosto falando e mesmo assim eu não consigo calar a boca. Escrevo porque eu me apaixono pelo personagem do livro. Escrevo para dar vida aos amores platônicos. Escrevo pra deixar questões que eu não consigo responder em guardanapos pelos botecos por onde passo. Escrevo porque tem pessoas que me habitam sem saber. Escrevo porque a comida não mata fome. Escrevo porque não ligo a TV e não sei comentar a novela. Escrevo porque preciso fazer a memória ficar suportável. Escrevo porque sou louca por música e pelas possibilidades que o silêncio sugere. Escrevo para conseguir acreditar nas coisas que me acontecem e porque tenho saudades de muitas coisas que não aconteceram. Escrevo porque detesto telefone. Escrevo porque tenho medo de quebrar o encanto de tudo que está demasiado perto. Eu escrevo para meter a mão na merda sem feder os meus dedos. Para roubar o beijo que eu não tenho coragem. Eu escrevo porque eu cansei do colchão e preciso do chão para sentir os ossos do meu corpo. Eu escrevo para que meus dedos tenham as unhas que eu nunca tive. Escrevo porque a minha voz tranca. Eu escrevo porque eu não sei o que eu procuro, mas gosto de estar viva à procura. Eu escrevo para desaprender as letras e só usar os meus sentidos. Eu escrevo porque meu terapeuta ficou caro demais. Eu escrevo porque todas as certezas me puxaram o tapete. Eu escrevo porque as entrelinhas de tudo o que eu leio me sugam. Eu escrevo porque sem organizar a frase o meu sono não vem. Eu escrevo porque me parir nas teclas me faz mais inteira. Eu escrevo para juntar os meus cacos. Eu escrevo porque eu preciso de tradução. Escrevo porque os políticos me fazem menos humana e o voto é obrigatório. Eu escrevo porque eu persigo abismos e estranhamentos. Porque ninguém valoriza a moeda que eu cultuo. Eu escrevo porque eu sou apaixonada pela minha miopia. Eu escrevo porque as palavras riem comigo. Porque eu preciso ficar sozinha. Eu escrevo porque a Clarice disse que a vida é uma loucura que a morte faz e a minha cúmplice nisto tudo é a palavra. Escrevo porque minguo de tantas saudades de acreditar. Eu escrevo porque eu sei fugir pela palavra, mas não dela. Escrevo porque eu desisti de ter jeito.

miopia surda

me contou no tom mais absurdo do mundo que a amiga tinha comprado um aparelho auditivo e desistido dele na mesma semana.
a amiga teria dito: é muita coisa para escutar, dá muito trabalho!
eu fiquei aliviada, tenho uma cúmplice desconhecida na minha motivação de sempre esquecer os óculos.

...

ontem ainda ela me perguntou do nada:
qual é a tua meta?
antes mesmo de eu respirar de novo ela foi explicando: filhos, ganhar mais, trocar de casa, fazer uma plástica, viajar?

eu fui domrir pensando no quanto eu queria conseguir acreditar.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

muita bolsa e pouco cérebro

eu juro por qualquer coisa (menos por deus que a minha mãe me mata), mas eu escutei uma mulher dizendo bem assim pra outra:
sim, esta bolsa custou quase mil reais, mas dizem que a costura e o couro resistem a mais de duzentos anos.

agora me diz, por que alguém quer uma bolsa que dure mais de duzentos anos?

processo consciente

vou cortar os cabelos e tonalizar de vermelho. um corte espetado.
não sei se vai ficar esteticamente ok com as minhas des-medidas.
mas é "só" para ficar moderno e camuflar as minhas idéias pré-históricas.

(e depois dizem que é a consciência que faz a pessoa.
a minha consciência até hoje só fez eu me sentir mais ridícula ainda...)

terça-feira, 20 de novembro de 2007

a minha outra colega que disse

"a maioria é burra e sempre vence."
(eu chorei para não gritar)

da díficil arte de ser saudável

em cada pé de alface a gente se depara com um zoológico
comprar um abacaxi no ponto é mais raro que ganhar na loteria
cortar uma moranga é mais difícil que matar um urso.

isto tudo sem falar que preparar uma refeição saudável produz uma louça suja que só as unhas e as mãos são capazes de calcular o tamanho do estrago.

da boca da minha colega

"...eu queria ter um filho, mas o que eu faço com o pai dele depois?"

sábado, 17 de novembro de 2007

o abraço e o tapa de hoje

da boca e dos braços de Paulo Freire:
ter esperança é um ato revolucionário.

ficar em pé sozinha

quando eu era pequena eu ganhei um pinto de presente e meu irmão outro.
como naquela época eu já era uma virginiana terrível, marquei cada pinto com um símbolo diferente na cabeça.
(houve o tempo em que eu ainda acreditava que a gente pode saber quem é quem e também quem é de quem.)
os dois idiotas (dos pintos - não dos irmãos) começaram um a pinicar a cabeça do outro achando que era comida.
um ficou calejado e criou uma cicatriz dura na cabeça. nem sentia mais as pinicadas alheias.
o outro ficou com a cabeça furada e um comportamento débil.

a fotografia mais nítida que eu guardo da minha dor é eu caminhando na chuva na hora do almoço e pensando em qual dos pintos era pior eu me transformar: no idiota ou no calejado.

hoje eu fico feliz que o melhor me aconteceu: eu aprendi a ficar em pé sozinha.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

música para quando as luzes se apagam

ele pariu em palavras os ritos de todos nós.

ele fez quase música da melodia estridente da solidão que todos estão grávidos.

ele nem teve medo de se arriscar e veio assinar suas letras aqui. aqui onde tudo e todos são só cenários.

só ele foi o protagonista, e apesar disto não quis verniz, mas tirou a roupa para ser o que se é onde sempre se seguiu o modelo mofado da repetição.

alguns vão dizer que ele escreveu uma história de drogas, mas muitos saberão que as drogas sempre estiveram ali, ele com seu abraço e seu tapa, apenas teve coragem de mantê-las.

alguns vão dizer que é uma história de menino que não gosta de menina, mas muitos saberão que é a história de um homem que tem coragem de ser e que já descobriu que a vida não mata.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

perfeição infantil

"cor de rosa é vermelho bem devagarinho"
(de um livro que eu não lembro o nome)

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

nostalgia

eu tenho saudades de acreditar.

o tempo é sempre o culpado

Madrugada destas alguém pegou a minha mão no meio da noite. Acordei achando aquilo tudo muito terno. Quando consegui abrir os olhos este alguém estava olhando as horas no meu relógio de pulso. Nem quando eu fecho os olhos o monstro do tempo me dá uma trégua.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

das autonomias

...quem me dera ter a mesma vontade própria que têm os meus cabelos!

conceituando...

distância:
abismos entre as pessoas próximas.

verdade:
qualquer besteira repetida por quem você considera.

amor:
o álibi perfeito, mas difícil de mastigar e impossível de engolir inteiro.

memória:
distorção do passado para a idéia de futuro ficar suportável.

domingo, 11 de novembro de 2007

escrever-te

ao te escrever eu sempre coloco anéis.
como se as palavras fossem a continuidade dos meus dedos.

bege...

troquei de anticoncepcional.
agora é adeviso.

vou colar no braço.
é bege que nem um curativo.
(existe uma cor mais idiota que bege?
eu acho mulher de calcinha bege pior que homem de cuecão)

alguém pergunta:
machucou?
eu respondo:
não, tô transando!

(sim, eu vou colar no braço porque eu tenho uma cara de coitada sem fim... daí as pessoas podem pensar: é coitada, mas até transa)

união exata

a insegurança dele é da mesma imensidão que a falta de auto-estima dela.

declaração de amor ao pé do ouvido de uma criança de 7 anos

profe, eu gosto tão grande de ti que gosto mais de ti do que do meu cachorro!

pressão alta

quando eu era pequena a gente poupava o meu pai de quase tudo porque ele tinha pressão alta.
pressão alta: um perigo!
eu ficava pensando nas panelas de pressão que todo mundo cuidava tanto para não explodir.
eu nunca tive uma panela de pressão.
eu nunca tive coragem de chegar perto de uma panela de pressão no fogo.
hoje eu peguei uma panela de pressão na mão no súper.
meu deu uma vontade bege de ter pressão alta pra ver se o mundo me pouparia um tiquinho de suas tragédias.

verde faniquito

eu sempre li tudo em todos os lugares.
muito criança ainda descobri numa revista as dimensões do sexo masculino na hora h.
tive que tornar concreto aquilo que só o cérebro era capaz de imaginar.
peguei uma cartolina (cor verde faniquito) e reproduzi o dito cujo.
entrei num quase pânico com o tamanho do faniquito.
logo depois descobri que os bebês (os quais eu nunca reproduzi) também saiam por ali.
naquele tempo decretei que ali seria o lugar pelo qual eu só faria xixi para o resto da vida.

só uma virginiana é capaz

sonhei que na minha mesa de trabalho os lápis de cor estavam misturados com as hidrocores e levantei da cama para ajeitar.