terça-feira, 13 de julho de 2010

produzido na Oficina Literária da Laura

O Papagaio Alemão

Ela foi uma criança adulta e diferente das outras, não nasceu sozinha. Antes dela ser invadida pelo mundo, nasceu seu irmão gêmeo. Para o pai, cada um era miúdo como um saquinho de leite. Ele cresceu malandro e ela séria, para não dizer brava.
Não se sabe qual a primeira palavra dita por eles, mas o primeiro verbo foi "dividir". Nos aniversários, os dois sopravam com tanta fúria a vela do bolo para ver quem a apagava de fato que um dia a mesa comprida da festa veio abaixo. O pai dividia os chocolates com a régua. Contavam as lajotas na hora de varrer a garagem, a sujeira amontoada na lajota ímpar. Mas, ímpar mesmo foi a idéia da mãe: dividir uma caixa de lápis de cor. A menina ficou um ano letivo inteiro sem desenhar o sol. E ele perdeu todos os lápis que lhe couberam.

Mas, houve um dia em que saíram da gaiola do egoísmo: juntos pegaram (com um alçapão), nos fundos da casa, um papagaio. Dividiram a alegria sem régua.
Passaram a tarde falando com o pássaro, que não deu asas à alegria deles. Cantaram desde "Atirei o pau no gato", até as músicas do "Balão Mágico".

- Será que ele é surdo?
- Pode ser que é mudo.
- Acho que ele não fala porque a gente não fica quieto. Não dá tempo, coitado!
Ficaram quietos por uns instantes.
- Ele insistia: "Rico", "Quer café?".
- Ela embravecia: se é para dizer bobagem melhor que seja mudo.

O pai chegou em casa e as crianças voaram para mostrar o seu tesouro.

O pai e a mãe tentaram e a menina enfurecida já pensava em cutucar o bicho com o garfo. Se não falasse por bem que gritasse de medo.

A noite veio e o sonho ainda não se enjaulava, as crianças espiavam a cada pouco o bicho na gaiola.

De manhã cedo, o pai reclamou alguma coisa em alemão. Foi como se a língua do bicho criasse asas. Nunca mais calou a bico. Mas, as crianças não compreenderam nada.

Muito satisfeito, o pai disse: - E ainda por cima ele sabe falar alemão!
- É mesmo, tu só podia ter pego um bicho torto. Disse a menina ao irmão.
- Ao menos ele fala, respondeu o menino.
- É, fala, mas não com a gente.

Não seria a primeira vez que a menina sentiria o mundo amputado de suas entranhas. Era a segunda vez que sabia a cor do sol, mas lhe faltava o amarelo.

Não demorou muito para o papagaio começar a berrar pelo "Zeca", que um dia apareceu e junto com ele bateu asas.

Desde cedo a menina aprendeu que as ironias da vida eram piores que os castigos do pai.

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