quinta-feira, 7 de agosto de 2008

a dona alzira

a dona alzira era a minh avó, era não, ainda é, onde quer que ela esteja (é, ela já morreu - de pura saudades do meu avô com o qual ela tanto implicava).

a minha avó era daquelas que tricotava e cozinhava.
um dia ela fez pra mim, um blusão com as mesmas listras da barriga da cuca (do sítio do pica pau amarelo). mangas e costas verdes e a barriga listrada nas mesmas cores, que copiamos da TV. um sucesso!
mas, foi ela que também errou a gola de um outro blusão meu e colocou elástico pra consertar. eu quase morria usando aquilo. teve um dia em que nem copiei nada na escola porque minhas mãos estavam ocupadas, me salvando do gola estranguladora. (é, eu sempre fui pateta, um dia meu pai colocou um vestido virado, as costas pra frente, pra eu ir à escola e eu não percebi....)

das comidas que a minha avó fazia eu gostava das frituras que na minha casa nunca tinha.
bolinho de arroz, batata, chuva e espinafre.
minha avó jurava que de espinafre não engordava nada.
mas, o que ela fazia de mais macabro era sopa com pé de galinha dentro.
na hora de comer, ela pescava o pé da sopa e puxava um nervinho e os dedos da falecida galinha até se mexiam. às vezes ela fazia isto com o pé da galinha dentro da sopa. dava até ondinhas no prato.
outra comida exótica era cabeça de porco assada. isto era o meu avó que comia. eu só olhava. ainda por cima vinha com uma maçã na boca, feito desenho animado. eu pedia pro meu avó se ele que tinha comido os olhos, já que ali não tinha mais nada, só os buracos. ele só ria.

de tarde a minha eu minha avó sentávamos na frente da casa dela.
ela falava mal de todas as vizinhas que passavam - ela sempre falou mal de todo mundo, mas nunca fez mal pra ninguém - , e a vizinha da frente sempre chegava pra conversar.
ela contava pra minha avó sobre macumbas ("trabalhos") que as pessoas faziam pra família dela. eu escutava tudo sem piscar. aliás, nem de noite eu pegava no sono lembrando destas histórias.

tinha também a costureira, que morava pertinho, na qual a gente sempre ia.
a minha avó mandava reformar roupas.
às vezes sobrava pra mim.
a costureira ajustava tudo com alfinete. depois simplesmente puxava tudo e eu saia toda espetada e furada. um horror.
mas eu ia.
no caminho sempre a minha avó colhia funcho pra eu morder. aquilo me dava um enjôo danado depois, mas eu gostava de ficar mordendo aquele pastinho.

as histórias que a minha avó contava eram inacreditáveis.
eu amava.
eu sabia quase todas de cor.
às vezes quando eu fazia ela repetir e repetir, eu mesma lembrava ela de uns pedaços que ela esquecia.
tinha uma de doer de triste. ela contava que um dia esqueceu os tamancos jogando sapata e eles sumiram. daí ela foi pra escola um mês inteiro de pés descalços. quando ela contava esta eu ficava tão triste que ela logo emendava uma outra engraçada.
outra coisa que era o máximo era abrir a caixa de fotos.
meu avó cortava as pessoas mortas de algumas fotos, pra não dar azar.
eu achei o máximo até o dia que eu descobri que ele era poderia ser o próximo a ser cortado dos seus próprios retratos. daí, nunca mais a brincadeira teve graça.

a pior idéia que a minha avó teve na vida foi lavar a minha cabeça com chá de arruda para dar jeito nos meus intermináveis piolhos.
aquele cheiro me enjoava ao ponto de causar ânsia de vômito, mas não teve jeito.

minha avó levava eu à benzeideira.
lá também tinha arruda, mas passava rápido.
minha avó sempre dizia que eu tinha quebrante e olho gordo.
sempre. até depois que eu era maior.
deusdocéu: o que será que ela achava que os outros podiam invejar em mim?
só se fosse ela, a minha avó.

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