do poético Carpinejar
Eu já me arrumei para um encontro que só eu havia marcado, já tomei banho por uma mulher que nem me conhecia, já mudei meus horários para puxar conversa, menti coincidências para criar empatia. Já fiei anos por uma declaração, meses por uma notícia, dias por um cumprimento. Nunca dependi de grande coisa para amar. Amava por antecipação. Amava por esmolas. Eu me apaixono por nada, por bobagem. Posso dedicar minha insônia a uma pálpebra feminina. Confundo a irritação dos olhos como uma mensagem. E tentarei explicar os gestos subseqüentes dela como uma articulação premeditada para me conquistar. Quando o abraço de uma mulher desliza para o quadril, pressinto que ela está me deixando existir. Talvez seja casualidade, mas o amor é uma casualidade. Entendo como quero. Quando o aperto da face escorregou ao pescoço, não tomarei como falta de jeito, avalio que tenho chance. Quando uma amiga telefona fora de horário, desconfio de um interesse maior. O amor não desperdiça nenhum indício. Nenhum início. Qualquer erro de entendimento é a possibilidade do amor. O amor é o erro de entendimento. Flerto com quem não foi avisada de que está flertando comigo. O amor é só esperança. A obsessão da esperança. Imagino ter dito, nunca deixo claro para continuar amando. A ausência de confirmação não me modifica. Prefiro não descobrir se o desejo é mútuo para prosseguir sonhando. Ao descobrir que não sou correspondido, é tarde para desistir. Não falo porque vivo a ansiedade de que alguém escute os meus pensamentos. Recorto frases, isolo sons, guardo expectativas. Deus não joga os rascunhos fora. Por isso, temos o amor. O amor vem por nada. Do nada. De nada.
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