terça-feira, 12 de outubro de 2010

(des)aprendizagens

...eu só aprendi o que ousei perder!

desde sempre vim pelo caminho difícil.

aprendendo o passo no tombo.
o vôo na queda livre.
a enxergar no escuro.

quando a física falava na velocidade do trem
eu me interessava pelo passageiro que imaginava na janela.

quando foram-me ensinadas as regras da gramática
as piadas que quintana e leminski faziam com elas já me habitavam.

da matemática
só me sobrou o horror do "x" e o medo do "y".

aprendi muito prestando atenção no quadro
e muito mais desviando o olhar para a janela.

sempre me perdi num prisma
que poucas vezes consegui traduzir ou pelo qual ninguém se interessou.

soube que não estava perdida
quando li caio (fernando abreu), clarice (lispector) e pessoa (fernando).

nos filmes me comoveram as atmosferas
e me sobraram muitas cenas.

me esforcei para memorizar as datas históricas
e só aprendi que o ser humano é a pior e a melhor coisa (sim, COISA) deste mundo.

a abstração sempre me fez (e faz) mais concreta
que qualquer razão.

na contramão da vida eu vejo a morte
e a partir dela vou parindo o que me faz viva.

na preguiça da louça
não quis saber cozinhar.

na distância da paciência
me acompanham as faltas domésticas.

na brutalidades dos sentimentos
nunca soube das etiquetas.

esqueci tudo que me foi gritado.
aprendi tudo que me foi sussurrado.

em grupo aprendi a solidão
na solidão me descobri a minha melhor companhia.

na perda de alguém
inaugurei uma multidão.

descobri o amor numa saudade
e a falta da paixão no mofo da pele.

ignorando as horas
senti o tempo pulsar.

a miopia me ensinou
a beleza disforme.

quando acabou o dinheiro
compreendi os números.

quando fiz uma escolha
o cheiro da renúncia se fez bússola.

no personagem do livro
me descobri acompanhada.

na propaganda da revista
conheci a exclusão.

em pequenos pecados aprendi grandes prazeres
que foram mutilados com ácido cristão.

são nos meus cacos
que eu me faço inteira.

desenhei o mapa da minha burrice
sou eu mesma nas minhas virgindades
ainda confio nas possibilidades
matéria da qual a vida é (des)feita.

(escrevendo aprendi
que sei fugir pelas palavras,
mas não delas.)

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