sábado, 27 de setembro de 2008

diretamente do PALAVRA AGUDA

Amo o pensador orgânico.

Amo o pensador orgânico porque só para ele as verdades emanam mais de um suplício interior que de uma especulação gratuita. Ao homem que pensa pelo prazer de pensar contrapõe-se o homem que pensa sob o efeito de um desequilibrio vital. Amo o pensamento que guarda um gosto de carne e sangue, e a uma abstração vazia prefiro mil vezes uma reflexão surgida de uma exaltação dos sentidos ou de uma depressão nervosa. Os homens ainda não compreenderam que o tempo das preocupações superficiais é passado, e que um uivo de desespero é mais revelador que o mais sutil dos argumentos e que uma lágrima tem sempre origens mais profundas que um sorriso.

Emil Cioran, Nos cumes do desespero, Obras, pg. 31-32.

clarice, clarice, clarice...

O que eu sinto eu não ajo.
O que ajo não penso.
O que penso não sinto.
Do que sei sou ignorante.
Do que sinto não ignoro.
Não me entendo e ajo como se entendesse.

Clarice Lispector

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

uma parte de uma entrevista da clarah averbuck

3.Você se considera uma autora maldita? Do tipo marginal? Porque bem ou mal, pelo que vejo o que vc faz, tem atitude, diria, punk.
acho uma bobagem esse negócio de maldito. atitude punk é uma coisa meio antiga também. eu só faço as coisas que eu acredito do jeito que eu acho que devem ser feitas, não acho que exista maldição e nem punkismo nenhum nisso. se pra isso precisar atrasar as contas todo mês, tudo bem.

*** por toda palavra ter a chance de ser maldita é que escrever pode ser uma salvação!

3b. O sucesso te seduz? Te interessa entrar no sistema?, Que porta você quer entrar no sistema? sabendo que para tudo tem um preço... ou bancar a vida indie vale mais a pena? Em outras palavras, jogar o jogo do sistema e quem sabe ter mais leitores, te parece uma bom caminho / boa opção?
me interessa ganhar na megasena. não me interessa ter mais leitores porque ninguém nunca entende nada - aqui no brasil todo mundo tem muita pressa de julgar e rotular tudo sem nem conhecer. eu quero ganhar dinheiro suficiente pra bancar a minha vida com coisas que não afetem a minha integridade. se não for do meu jeito eu não faço - meu jeito pode até ser negociável, mas se eu me sentir ferida, não vou fazer. uma coisa boa, por exemplo, foi ser selecionada no petrobras cultural e ganhar pra escrever um livro. isso sim é vida.

4. Você acha sua geração muito careta?
eu não acredito em geração. o mundo está segmentado demais para ainda ter essa divisão.

5. E os críticos? Quão compreendida você acha que é, ou não és?
alguns entendem, outros não entendem, outros não gostam mesmo, outros amam. crítico pra mim é só um cara com uma opinião. isso não me afeta.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

na mesa das casadas

uma diz que entenderia uma traição, pois o casamento é o tédio na sua forma mais completa.
a outra diz que depois do cartão de crédito, não se usa mais separar, só representar.
algumas dizem que se aventuram a tomar viagra paraguaio. (comprar para o marido é coisa do passado!)

eu fico tentando compreender quem eu sou para representar melhor...

rinite

tem dias em que até os meus pensamentos ficam fanhos.
tem dias em que até o meu útero espirra.
tem dias em que até o fígado coça.
tem dias em que até a alma pensa em suicídio.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

roda morta - zeca baleiro

O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais.

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.

promoção de amor no serviço bancário

são tão raras as vezes em que o caixa eletrônico não dá conta dos meus baixos valores.
mas, aconteceu.
de cara, o caixa me olha e pergunta:
- não quer transferir a tua conta para esta agência?
eu faço aquela cara de quem precisa de mais explicações.
ele me diz: - sim, preciso de pontos. sou promovido através de pontuações.
eu, remendo dizendo que sou muito bem atendida na outra agência.
ele me pergunta o nome de quem me atende lá.
eu digo e elogio.
ele me diz que ele conhece a eficiência desta pessoa, mas que na agência dele eles são mais amorosos. (sim, AMOROSOS)
eu falo: que pena, mas amor eu ando passando adiante, eficiência pra mim já tá bom demais.
ele me olha incrédulo: como assim?
eu falo: - amor é uma aposta muito alta. prefiro a bolsa de valores.
ele me olha mais assustado ainda.
eu continuo: um coração vale mais que um fígado e um rim juntos, sabe?
ele me olha como quem não sabe mais de nada.
eu guardo o dinheiro na bolsa e o coração nem eu sei onde. e me vou.

o reizinho mandão

Notícia ZH

Pão francês vai mudar de gosto e ficar mais barato
Farinha de trigo vai ganhar mandioca na composição


Com o objetivo de reduzir a dependência do Brasil à importação de trigo, um projeto pretende incluir até 10% de farinha de mandioca na receita do pão francês. Já aprovada no Congresso e próxima de ser sancionada pelo presidente Lula, a medida já provoca polêmica, pois deverá alterar o gosto do pão.
Conforme reportagem do Bom Dia Brasil, para ficar no ponto, o pão tem que ser feito com boa farinha de trigo, ingrediente que o país precisa importar. Ao todo, 75% vêm de fora. Justamente para diminuir essa dependência, a farinha de trigo deveria passar a ser misturada com fécula de mandioca. — Dá certas alterações no desenvolver da massa. Isso muda a característica crocante do produto — afirma José Nascimento, vice-presidente do Sindicato da Indústria de Alimentação de Brasília (Siab).
Prefeituras, estados e governo federal ficam obrigados a comprar pães, biscoitos e massas feitos com a farinha misturada. Na iniciativa privada, é opção. Os moinhos que aderirem à novidade se livram de alguns impostos. Defensores da lei argumentam que a mistura não altera o sabor dos produtos feitos com farinha de trigo, mas muitos cozinheiros discordam.— Se fosse bom, não precisaria ser obrigatório. Todo mundo adicionaria ou misturaria farinha de mandioca à farinha de trigo — diz o dono de um moinho, Roland Guth.

*** Eu fico lembrando da sábia letra o Humberto: "E toda forma de conduta se transforma numa luta armada e a força deixa a história mal contada..."

(Também lembrei que a lei nos impede de comer um simples bombom de licor de sobremesa, se formos dirigir depois do almoço...)

domingo, 14 de setembro de 2008

mãe

se tem uma coisa que eu não gosto de pensar é na morte das pessoas que eu gosto.
tantas vezes, me parece mais fácil morrer do que perder alguém querido.

então, a minha mãe, numa destas conversas desencontradas e cheias de bichos - no msn -, me pediu pra ficar perto dela quando ela morrer.

como não iria ficar, se é através dela que eu respiro o ar que tantas vezes me falta? (assim, como disse o isma...)
como não iria ficar, se existo melhor perto dela?

mãe, se eu não ficar perto de ti, eu morro antes...

(às vezes a minha mãe parece a clarice lispctor me escabelando as idéias...)

affe! (e tudo isto num domingo à noite!)

32 !!!

então, eu disse aos alunos que esta semana é meu aniversário e que íamos ter um lanche surpresa .
tudo ia muito bem obrigada até uma criança ter a infeliz idéia de perguntar quantos anos eu ia fazer.
32.
-mas, como profe? então tu é daquela época que tinha escravos?
-profe, a minha mãe vende avon, quer ver no livrinho um creme pra ficar nova de novo?
um outro apaixonado perguntou se quando ele puder casar eu já vou estar de bengala.
de repente uma criança piedosa contou em alto e bom tom que às vezes a gente pode ter mais ou menos idade....
como assim???
quando eu viajo de ônibus meu pai sempre diz que eu tenho 5 anos pra não pagar passagem.

agora eu tô decidindo se eu minto a idade, compro o creme da avon ou faço o tal lanche coletivo.

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

então, o que fica de tudo?

pra mim sempre é a trilha sonora e o cheiro.
e é por eles também que parto ou fico, e sempre me quebro.

se ficar o bicho pega e se correr o bicho come

não tem como não reparar nos absurdos políticos.
hoje uma candidata da minha província disse assim: o bem do povo é a minha estrela guia.
eu fico pensando no que passa pela cabeça de alguém que escreve um discurso destes.
no mínimo, deve ter escutado muito os antigos vinis da xuxa.
imagino, que antes da campanha terminar, ela vai prometer uma visita do papai noel a cada eleitor.
esperemos ou rezemos?

sábado, 6 de setembro de 2008

às vezes, ainda tenho um coração de moça

É DURO TER CORAÇÃO MOLE
Alice Ruiz

por favor
não me aperte tanto assim
tenha cuidado, pega leve
olha onde pisa
isso é meu coração
meu ganha-pão
instrumento de trabalho,
meio de vida, profissão
meu arroz com feijão
meu passaporte
para qualquer parte
para qualquer arte
não machuque esse meu coração
preciso dele para me levar a Marte
sem sair do chão
não me aperte
não machuque
tome cuidado
eu vivo disso
poesia, sonhos e outras canções
sem emoção
morro de fome
sinto muito
mas não há nada
que eu possa fazer
sem coração.

alice ruiz

já não temo fantasmas
invoco a todos
que venham em bando
povoar meus dias
atormentar minhas noites
entre tantos
loucos e livres
existe um
que é doce
e que me falta.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

cardápio de hj, a perfeição do almoço

todo dia na hora do almoço eu corro pra casa.
esquento o pote do dia no micro.
engulo.
lavo a louça de olho no relógio para que a paisagem da pia pela noite não seja transbordante.

hoje, hoje uma quarta-feira.
meio da semana.
ela convida pra almoçar.
comida de panela no capricho.
cerveja no ponto.
mesas ao ar livre.
sombra de árvores.
amigos com os quais se desabafa intimidades.
risada de boca cheia.
alface no dente.
alma leve.
louça branca.
flor fresca na mesa.

às vezes, às vezes eu lamento de verdade não ter o privilégio de estar a passeio nesta vida.

ela sempre têm as melhores surpresas: a sensibilidade, o prazer, a dica do livro, a dica do filme, mas o melhor mesmo são as atmosferas que ela cria nos detalhes. o tanto que transita entre os diferentes. o tanto que ela acompanha o que não se alcança. o tanto que ela sabe traduzir aquilo que a gente evita nomear. o tanto que ela sabe afiar as palavras. o tanto que ela se pari para a gente nascer. o tanto que ela faz a minha solidão se sentir acompanhada.

ela esquece tanto, mas nunca esquece de ser, ser quem ela é.